Quinto dia – Hoje tínhamos no programa duas grandes aventuras: a canoagem pelas águas do rio Võhandu e a dormida na caverna Piusa onde a temperatura permanente é de 6 graus. Acordamos cedo, fizemos nossas práticas corporais, pegamos nosso ônibus e fomos até o rio para fazer a canoagem. Um vento frio e uma chuva teimosa se faziam presentes. De vez em quando traços do sol apareciam e nos deliciávamos com aquele calorzinho que chegava. Após as devidas explicações, escolhemos as duplas, pegamos nossas canoas e seguimos rio abaixo. A paisagem era estonteante. Como falar desta jornada por entre as vísceras da Estônia sem usar palavras tão efusivas? Impossível pra mim! Aqui o verde é verde mesmo, mas sem ofuscar. O chão é cheio de musgo macio, e quando se pisa tem-se a impressão de pisar na barriga da mãe, tudo é fofo, os morangos nativos abundam pelo caminho, os odores de cipreste mesclado a flores silvestres perfumam o ambiente com um odor particular do embriagante musk branco… A canoa seguia o rumo guiada por mim e por Ylle, a estoniana que vive em nossa comunidade de Terra Mirim e segue comigo o caminho do xamanismo da Deusa Mãe, e que organizou toda esta jornada. Depois de quase 3 horas de canoagem por um rio tranquilo, chegamos numa parte mais difícil, com pedras, árvores caídas e curvas que exigiam uma grande atenção. Foi exatamente em uma destas curvas com água que corria fortemente que eu vacilei: fiquei olhando patos que desafiavam a correnteza e me desequilibrei, fazendo com que a canoa virasse se enganchando em uma imensa árvore caída na água. Caímos as duas. Que momentos! Fiquei encharcada, tentando segurar os remos, me equilibrar e segurar a canoa, e Ylle tentava entender tudo aquilo e preocupada comigo, esquecia de segurar a canoa. Olhei pra ela e falei: segura a canoa e o remo! Aí começamos “a luta” pra puxar o barco cheio de água pra margem (que margem?), e ver o que poderíamos fazer. Foram instantes onde a sobrevivência falava alto e eu pensava nas palavras do dono das canoas: “cuidado com minhas canoas”, dizia ele sorrindo, momentos antes. Depois de muito esforço, conseguimos arrastar a canoa para um pedacinho de terra lamacenta, e tentamos tirar a água de dentro sem nenhuma vasilha nas mãos. Que loucura! A mente trabalhava ansiosa buscando soluções e em pleno trabalho de puxar o barco, tirar a água, segurar remos, Ylle lembrou de telefonar pra o dono das canoas e descobriu que o celular não havia molhado e que o dinheiro que havia levado para pagar nossa jornada no rio estava completamente seco! Uma celebração. Ela ligou naquele momento, mas o que ele nos disse “tentem sair porque eu não posso chegar aí, estou esperando vocês o mais próximo possível.” Olhei pra Ylle e falei: “só tem você e eu. Vamos tentar, temos que sair daqui.” Uma urgência em sair dali nos fazia dizer ou pensar coisas verdadeiramente delirantes, tipo: “Alba, você pegou o rumo" Eu pensava calada: mas que rumo? Não tem rumo, só água! Depois de algum tempo compreendi que ela queria dizer remo e dentro do caos, eu gargalhei. “Alba, vamos pegar o barco e virar pra tirar a água, depois tentamos colocar ele na cabeça”... coisas sem nenhuma lógica ou sentido. Depois de um tempo tentando tirar a água com as mãos, deu me a idéia de usar os remos. Conseguimos tirar bastante água, e depois naquele pedacinho de terra, conseguimos virar o barco pra tirar o restante da água. Completamente encharcadas e a chuva caindo, seguimos rio abaixo. Em uma das curvas do rio vimos o canoeiro nos acenando desesperado. Queria saber como foi, se queríamos parar, etc. Preferimos continuar descendo as águas ate o final do trajeto. Pouco tempo depois paramos junto ao grupo e contamos nossa aventura. Foi uma festa de risos e brincadeiras, todas nos ajudaram a trocar as roupas, nos emprestaram vestimentas que ainda restavam secas e seguimos até o final. Um piquenique delicioso nos aguardava. Que frio!!!
Seguimos em direção à caverna, às vísceras da Mãe. Fizemos um círculo de partilha antes de entrarmos no local. O medo tocava alguns corações, a mente incessante não parava de questionar: para que isto? Como saio da minha casa e venho dormir em um local tão desconfortável? Etc., etc. Perguntas que já estou acostumada a escutar e a responder. À entrada, uma pequena abertura onde exercitamos a humildade - precisamos nos abaixar, reverenciando o local. Entramos e o frio imperturbável nos acolheu. O silêncio só era quebrado pelos pingos de água de alguns espaços da caverna e pela nossa respiração. Dentro daquele visual quase surreal, com velas nos indicando onde ir, cada uma escolheu o local onde passar a noite. O chão era de areia mesclada ao quartzo, fria como as catacumbas. A mente da maioria trabalhava incessantemente - o ar que pode faltar, o cheiro dos cemitérios, fantasmas que podem aparecer... Nos acomodamos em espaços individuais e pra cada uma a experiência foi particular. “Vi luzes e seres durante a noite". “Não consegui dormir”. "Tive sonhos alucinantes”. "Parecia que tinha tomado alguma erva”. "Senti tanto frio que pensei que ia congelar”... Os depoimentos iam se fazendo na manhã seguinte, depois que Tönu, nosso guia veio buscar-nos. Para algumas foi o grande contato consigo, e lágrimas de imensa compaixão cobriu a face daquelas mulheres. Cantamos à entrada da caverna e seguimos nossa jornada. Agora rumo a onde passaríamos duas noites a fim de vivenciarmos mais intimamente um dos grandes pântanos da Estônia.
Dias anteriores nas postagens abaixo. Acompanhem as novidades do diário da nossa Jornada!
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